Publicado em: 12/08/2020 às 08:30hs
O leitor vai perceber que uma medida acurada de evolução de desempenho não seria possível, em virtude da inexistência de uma série completa de dados. Com base apenas nas duas últimas observações disponíveis e muito afastadas no tempo, os resultados poderiam ser enganosos se desconectados de uma apreciação crítica quanto ao método e ao contexto em que eles foram gerados.
A Tabela 1 traz a variação percentual do rendimento físico de oito fruteiras nas grandes regiões brasileiras, calculada com base nos dados dos Censos de 2006 e 2017. As fruteiras selecionadas estão entre as mais importantes do país e são todas do portfólio de pesquisa da Embrapa Mandioca e Fruticultura: abacaxi, banana, laranja, limão, manga, mamão, maracujá e tangerina. A região Nordeste destaca-se como a primeira produtora de manga, maracujá e mamão e é a segunda em abacaxi, banana, laranja, limão e tangerina, que têm a região Sudeste na liderança.
Uma análise fria, pouco cuidadosa e restrita aos números em si sugeriria que, nesse período, a região Nordeste teria registrado perda de rendimento em relação a seis fruteiras das oito consideradas (Tabela 1). As únicas exceções seriam abacaxi e mamão, que teriam registrado ganhos de rendimento. Esse movimento observado na região Nordeste, praticamente se repetiu no país. A exceção seria apenas em relação à laranja, que apresentou ganhos de rendimento médio – um reflexo dos também ganhos de rendimento na principal região produtora do país, a Sudeste. Aliás, a região Sudeste teria apresentado o melhor desempenho, seguida das regiões Centro-Oeste e Sul, em número de fruteiras com ganho de rendimento no período: seis entre as oito selecionadas. Ainda com relação a esse mesmo indicador, a região Norte teria apresentado o mesmo resultado da região Nordeste, ou seja: apenas duas, entre as oito fruteiras, teriam registrado ganhos de rendimento.
No entanto, ao contrário do que parece e do que muitos pensam e repetem, os números não falam por si. Sem uma análise quanto ao método e ao contexto em que foram gerados, os números podem levar a interpretações enganosas. Por essa razão, toda análise de dados deveria ser seguida, sempre que possível, de apreciação crítica do método e do contexto.
Tabela 1. Rendimento de fruteiras selecionadas no Brasil e grandes regiões: Censos 2006 e 2017.
Observação sobre a tabela: Tangerina inclui bergamota e mexerica.
Fonte: IBGE (2020), dados básicos.
Umas das principais desvantagens do método matemático para o cálculo da variação percentual estão associadas e são comuns a todo método que utiliza medidas pontuais afastados no tempo (a exemplo dos valores extremos de uma possível série de dados): não captar a “tendência” com base em toda a informação de uma série de dados e a sensibilidade do resultado aos anos de referência (ALMEIDA, 2014). Portanto, no caso em análise, o método apenas permite comparar o rendimento físico em 2017 com o rendimento em 2006, não sendo possível saber o que aconteceu nos demais 10 anos dentro desse intervalo, tampouco a tendência. Ou seja, os resultados encontrados não podem ser extrapolados porque não se pode ter uma ideia confiável de tendência com base em apenas duas observações (no caso, os rendimentos médios em 2006 e 2017). A situação se tornaria ainda mais crítica se houvesse ocorrência de atipicidade em um ou em ambos os dados. E é justamente essa alta sensibilidade dos resultados aos anos de referência que torna ainda mais necessária uma análise de contexto, ou seja, o conhecimento das condições sob as quais os dados foram gerados. No caso de dados relacionados à agricultura, as condições climáticas e tecnológicas são as principais determinantes de desempenho.
Nesse sentido, o fraco desempenho da região Nordeste poderia ser explicado por um fenômeno climático: a severa estiagem que ocorreu na região de forma contínua e prolongada no período 2012 a 2018, sendo considerada uma das piores secas dos últimos 100 anos (BURITI e BARBOSA, 2018, apud AQUINO e NASCIMENTO, 2020), frente às condições pluviométricas normais vigentes em 2006. A maior parte da produção de frutas no Nordeste, com ou sem o uso da irrigação, ocorre em região de clima semiárido, que apresenta maior risco de estiagem, a exemplo do maracujá, manga, uva, abacaxi, acerola, banana, caju e melão. As exceções seriam as lavouras de laranja, limão e mamão, para as quais a produção se encontra fora do semiárido, mas ainda com pouco uso da irrigação, especialmente as duas primeiras. De forma geral, o estresse hídrico do período teve impacto direto sobre o volume e a frequência da irrigação. A pior situação ocorreu em Livramento de Nossa Senhora, Bahia, principal produtor de maracujá do Brasil e importante polo de produção de manga do estado: a frequência da irrigação foi reduzida para apenas um dia por semana nos piores momentos da estiagem. Mas, ainda que em menor intensidade, a frequência da irrigação também foi reduzida em outros importantes polos de produção de frutas no semiárido baiano: Bom Jesus da Lapa (segundo maior produtor de banana do Brasil) e Juazeiro (um dos principais produtores de manga e de uva do país). As produções de laranja e limão, embora concentradas fora da região semiárida, também foram afetadas pela estiagem, principalmente por causa do pouco uso da irrigação.
Apenas as lavouras de abacaxi e mamão registraram ganhos de produtividade na região Nordeste. A utilização de variedades de abacaxi mais tolerantes ao estresse hídrico, bem como o uso da irrigação em importantes áreas produtoras da região, provavelmente explicaria o desempenho da lavoura. Mas o desempenho da lavoura de mamão, certamente, seria explicado pelo efeito combinado do clima com o uso complementar da irrigação. A produção de mamão na região Nordeste se concentra no Sul e Extremo Sul do litoral baiano, tendo o município de Prado como o maior produtor da região, cujo clima predominante é quente e úmido e apresenta índice pluviométrico superior a 1.500 mm anuais. O uso da irrigação, de forma complementar, é uma prática comum nessa região produtora. A segunda maior região produtora de mamão na Bahia é o Oeste Baiano, cujo clima é do tipo semiárido, mas o uso da irrigação é feito de forma intensiva.
Portanto, fica evidente que as condições adversas do clima, a exemplo das secas severas e prolongadas que ocorrem com maior frequência na região Nordeste, podem influenciar de forma direta a evolução da área plantada e do rendimento, e tanto maior será essa influência quanto menor a dotação tecnológica e a disponibilidade de fontes permanentes de água para uso na irrigação (ALMEIDA, 2014).
Clóvis Oliveira de Almeida e José da Silva Souza são Pesquisadores da Embrapa Mandioca e Fruticultura
Fonte: Embrapa Mandioca e Fruticultura
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