Café

Com um café naturalmente doce, o Brasil ganha espaço do colombiano nos blends sofisticados

No segundo semestre de 2011, os preços do café alcançaram RS 550 por saca, a maior cotação desde a implantação do real no Brasil, 18 anos atrás


Publicado em: 18/07/2012 às 10:40hs

Com um café naturalmente doce, o Brasil ganha espaço do colombiano nos blends sofisticados

Os bons preços surpreenderam os produtores, que vinham há anos trabalhando margens de lucro bastante justas, e deram novo fôlego à cafeicultura brasileira. O aumento da remuneração foi convertido em tratos culturais e favoreceram a produtividade das lavouras do Brasil, que, na safra 2012/2013, vai colher cerca de 50 milhões de sacas de 60 quilos. Mas, como acontece nos anos de safra gorda - o café é uma cultura bianual e rende um ano de produção alta seguido por outro de baixa -, os preços cederam neste ano, em resposta à entrada de um volume maior de café no mercado. Ainda assim, as cotações são remuneradoras e ajudam a preservar uma característica adquirida pelo café brasileiro nos últimos anos: a qualidade, que já rende ao produto do país um valor agregado de cerca de US$ 70 por saca em relação aos preços praticados no mercado internacional.

É exatamente o mesmo valor a mais que a Colômbia, reconhecida por produzir um café de alta qualidade, costumava receber na década de 1990, quando produzia 11 milhões de sacas por ano, investia pesado em marketing e vendia sua safra de maneira abundante no mercado internacional. Com a crise que tomou conta do país nos últimos anos, a safra colombiana despencou para 7 milhões de toneladas. "E quem mais ganhou com o marketing feito pela Colômbia no mercado internacional foi o produtor brasileiro, pois ele é quem está ganhando dinheiro no mercado externo", diz Lucio Dias, superintendente da Cooperativa dos Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupé). A opinião de Dias é compartilhada pelos produtores de café. "Enquanto a Colômbia investia em marketing, nós investíamos na qualidade de nossa produção. Hoje, o café brasileiro é muito bem avaliado no mercado internacional", diz Adolfo Henrique Vieira Ferreira, cafeicultor de Monte Belo (MG).

Na avaliação de Guilherme Braga, presidente do Conselho Nacional dos Exportadores de Café (Cecafé), o produtor brasileiro conquistou confiança e qualidade nos últimos anos. "O Brasil passou a ocupar o espaço que antes era da Colômbia e 24% do café exportado pelo país atualmente é de produto diferenciado (certificado ou especial)", diz Braga. Para o presidente do Cecafé, o aumento das exportações brasileiras de café diferenciado reflete a agilidade do produtor em se adequar às demandas do mercado.

"O agricultor brasileiro é o único que se ajusta rapidamente ao consumidor e, quando a demanda por cafés de qualidade começou a crescer, ele respondeu de imediato", diz. Em 2011, o Brasil exportou 33 milhões de sacas de café, das quais 8 milhões foram de arábica diferenciado, que, em média, foram negociadas por US$ 340 a saca, US$ 70 a mais em comparação ao valor do café classificado como "commodity". "Há cinco anos, o Brasil só exportava commodity e a tendência é que a participação do produto diferenciado continue crescendo nas vendas brasileiras", avalia Braga.

No mercado internacional, a qualidade do café colombiano ainda é bastante alardeada, mas essa situação está mudando. As diferenças entre o café brasileiro e o colombiano começam a favorecer o produto nacional. O café produzido na Colômbia é ácido. O do Brasil é naturalmente doce. As indústrias que fazem produtos mais sofisticados estão usando de 30% a 70% de café arábica brasileiro em seu blend.

Outra diferença é que a Colômbia tem uma condição peculiar de produção. A temperatura média no país é de 18 °C e não oscila tanto quanto no Brasil, onde pode variar até 15 °C num dia. Por esse motivo, os produtores são obrigados a fazer uma colheita seletiva só dos frutos maduros, porque o cafezal produz o ano inteiro e é possível encontrar numa só arvore um fruto vermelho, um verde e uma flor. A colheita seletiva eleva a qualidade do café, pois exclui os grãos verdes e ardidos.

No Brasil, a colheita seletiva não é obrigatória, mas alguns produtores já adotam o sistema como técnica para elevar a qualidade da safra. É o caso, por exemplo, de Francisco Isidro Dias Pereira, que administra uma das cinco fazendas de sua família, proprietária do Grupo Sertão, que soma área de cultivo de 650 hectares, em Carmo de Minas (MG). "Estamos numa região montanhosa onde a colheita é manual. Essa característica nos permitiu começar, há cinco anos, a colher somente os grãos maduros", diz Pereira. Com técnicas como essa, o Grupo Sertão, que estima colher uma safra de 22.000 sacas de café neste ano, consegue produzir 60% de grãos de alta qualidade, que comercializa para as mais importantes torrefadoras do mundo. Outras técnicas que podem melhorar a qualidade - como usar terreiros suspensos, mexer bem o café no terreiro para evitar umidade, investir em descascador de cereja - já são bastante difundidas no Brasil e ajudam a melhorar a bebida.

Foi por isso que, quando a produção da Colômbia começou a cair e os grandes clientes daquele pais vieram experimentar o café do Brasil, eles tornaram-se compradores constantes. "Quem coloca o café brasileiro no blend não tira mais", comenta Dias. A Star-bucks chegou em 2009. Hoje, ela é o maior cliente da Cooxupé, com compras anuais de 1 milhão de sacas. A torrefadora também adquire parte da safra do Grupo Sertão. A Nestlé, maior torrefadora do mundo, consome 14 milhões de sacas por ano para produzir o café Nespresso e também usa de 30% a 70% do café brasileiro em seu blend, assim como a Illy, que criou um prêmio para os melhores fornecedores do país.

Adolfo Ferreira é fornecedor da Illy desde 1999. Proprietário da Fazenda Passeio, com cerca de 1 milhão de pés de café, ele estima colher 8.000 sacas neste ano e espera fazer entre 50% e 60% de cafés especiais. "In-vestimos nas variedades bourbon, topázio, rubi e icatu, que são cafés finos, mas não tão produtivos quanto os convencionais", diz Ferreira. Ainda assim, a produ-tividade da Fazenda Passeio é de 40 sacas por hectare, superior à média nacional, de 30 sacas por hectare. Ferreira também já fez a colheita de maneira seletiva, mas hoje só a realiza sob encomenda. "Antes eu fazia dois meses de seletiva, mas os custos com a mão de obra cresceram muito", diz.

Um microlote de 40 sacas colhido por Ferreira de maneira seletiva foi comercializado em maio por US$ 270 dólares a saca, um ágio de US$ 70 sobre o café convencional. Na avaliação do produtor, a grande vantagem de se produzir café especial é que ele é bem remunerado quando o produtor mais precisa, ou seja, quando os preços da commodity estão ruins. "Quando o preço da commodity está bom, a diferença para o especial é pequena, mas quem precisa de vantagem sobre um café cotado a RS 550 a saca?"

Com a expectativa de uma safra boa neste ano, os preços do café voltaram a ceder e seguem cotados a RS 350 a saca, mas o inverno chuvoso pode comprometer tanto o volume quanto a qualidade da safra 2012/2013, situação que pode gerar novas altas. A Cooxupé estima colher 5,5 milhões de sacas no período, 85% das quais serão comercializadas fora do Brasil.

A boa aceitação no mercado internacional pode ser vista na 24a edição da SCAA Annual Exposition - maior feira de café do mundo -, que rendeu aos cafeicultores brasileiros negócios em volume recorde este ano: da ordem de US$ 3 milhões. "A cada ano nossa participação é maior", diz Luiz Paulo Dias Pereira Fi-lho, presidente da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA). Os contratos futuros para a temporada 2012/2013, que começa em julho, foram de US$ 7 milhões. "Surgiram compradores dos Estados Unidos, Japão, Austrália, Canadá e do próprio Brasil", diz.

Safra abençoada

No município baiano de Ibicoara, na Chapada Diamantina, a colheita do café arábica do produtor Nelson Ribeiro chega a durar até 20 dias, numa área de 28 hectares. "Para fazer café de qualidade, tem de fazer a colheita seletiva. A gente passa várias vezes na planta e sempre tira os grãos maduros", explica. No ano passado, ele colheu aproximadamente 550 sacas, vendidas a R$ 700 cada, em média.

A qualidade do café Natura Gourmet já foi reconhecida até pelo papa. Em 2009, amostras do café foram enviadas por interceptores ao Vaticano, que encomendou quase 1.000 sacas. Hoje, 70% da produção é exportada para Inglaterra e Estados Unidos.

Mas, para Ribeiro, para garantir qualidade, não basta o café ser gourmet; é preciso ser orgânico. "Alguns (produtores) tiveram dificuldades em fazer o café orgânico e se afastaram. Pensei, desde o começo, em fazer orgânico porque pelo menos você não está usando agrotóxicos em seu solo, não está usando fertilizantes químicos e trabalha conservando mais a terra para seus filhos, netos e bisnetos", diz ele, que preserva 40 hectares de mata e não pensa, a curto prazo, em expandir a área plantada, a fim de não interferir na produção. "Não quero perder nunca a qualidade", diz.

Foco na liquidez dos associados

Presidente da Cooxupé fala das ações para transformar a cooperativa na empresa de café verde mais competitiva do mundo

Globo Rural - O Brasil investiu na melhoria da qualidade nos últimos anos?
Carlos Paulino da Costa - Investiu bastante, tanto que, em algumas fazendas, já não existe sazonalidade entre as safras. É o bolso que dá a diretriz ao sujeito. E, quando o café bom começou a ser melhor remunerado, o produtor investiu na qualidade, pois a diferença de preço entre um café de alta qualidade e um café "commodity" compensa o investimento. Em época de queda, o preço do produto de qualidade cai menos.

O que o produtor faz quando o preço do café está bom?
Depende muito. Uns compram carro, outros reformam a casa, outros compram terra, outros colocam o dinheiro no banco e há os que não vendem o café, apostando em altas ainda maiores. O pequeno produtor - que representa 84% dos associados da cooperativa - não tem conta em banco e o dinheiro dele é o café que está estocado na cooperativa. Nosso crescimento se deve à confiança que o produtor tem na entidade. Ele entrega o produto aqui e vende quanto e quando quer.

Existem novidades na área de produção?
A cooperativa está investindo em melhoria de processos e redução de custo e terminou, no ano passado, a construção do Complexo do Japi, que recebe o café a granel, uma novidade que reduz tanto o custo da cooperativa quanto o do produtor, que só com a saca gastava RS 5 por unidade. Nesta safra, todo o recebimento da cooperativa está sendo feito a granel e o pequeno produtor foi o que mais rapidamente aderiu. Nossa ideia é transformar a cooperativa na mais competitiva empresa de café verde do mundo.

O Brasil é um fornecedor confiável?
O Brasil é hoje um pais muito fácil para se fazer negócio. A Nicarágua, por exemplo, é muito burocrática;
o Vietnã, volta e meia, cancela um negócio. O Brasil é reconhecido por cumprir seus contratos. As torrefadoras só não vão comprar daqui se houver alguma boa vantagem em outro lugar, como preço muito melhor ou qualidade maior. Quem tem grandes volumes de negócios para realizar precisa ter o Brasil como fornecedor.

Como é o consumo no mercado interno?
Começamos a ter uma experiência boa de consumo interno. Temos uma pequena torrefação e tentávamos há tempos fazê-la crescer. Como o capital de giro de muitas empresas diminuiu nos últimos meses, aproveitamos a oportunidade e ampliamos a venda para 7.000 sacas de torrado e moído no mercado regional, o que é uma excelente performance, pois fazíamos 3.500 sacas por mês. Não queremos concorrer com nossos clientes, mas, à medida que encontrarmos oportunidades, vamos encaixar o produto regionalmente. Nossa obsessão é dar liquidez para nossos associados.

Cooxupé é a maior cooperativa de café do mundo. Esse status garante que ela vende o melhor café do mundo?
Vendemos para os clientes mais exigentes e participamos de todos os grandes mercados mundiais, mas não conseguimos atender a nichos. A Cooxupé tem facilidade de originar produto e de fazer negócio, e o objetivo da cooperativa é obter o melhor preço para os mais de 5 milhões de sacas que comercializamos por ano.

Fonte: Globo Rural

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