Publicado em: 10/02/2014 às 01:00hs
Carlos Henrique: Agrônomo formado pela Universidade Federal de Viçosa – UFV, mestre em Fisiologia Vegetal pela mesma universidade e doutor em Genética e Melhoramento pela Purdue University, nos EUA. Foi bolsista do Instituto Brasileiro do Café - IBC por dois anos, pesquisador da ex-Emcapa - hoje Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) - por cinco anos nas áreas de melhoramento genético e manejo do café Conilon e da Embrapa Milho e Sorgo por 13 anos na área de transformação genética de plantas e cultura de tecidos. Na Embrapa Café, pesquisa melhoramento do cafeeiro para resistência ao bicho-mineiro e à ferrugem e desenvolve cultivares clonais de café arábica e propagação vegetativa via embriogênese somática
Por: Embrapa Café
A Fundação Procafé é umas das instituições participantes do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, e está localizada em Varginha-MG, na região Sul do estado. Entre os principais objetivos da Fundação Procafé estão o de realizar estudos e pesquisas cafeeiras nas áreas de produção, preparo e qualidade do café, gerenciamento agrícola, diagnósticos e estudos socioeconômicos, entre outros. Nesse contexto, promove e apoia treinamento de pessoal ligado à cafeicultura e realiza eventos técnicos-científicos e de transferência de tecnologias diretamente ou em parceria com órgãos públicos e privados. Seu corpo técnico tem experiência de cerca de 40 anos em atividades de pesquisa e transferência de tecnologia cafeeira. Para reforçar a equipe da Fundação Procafé, o pesquisador Carlos Henrique S. de Carvalho, da Embrapa Café, está lotado desde 2002 na Procafé.
Para falar da parceria da Fundação com a Embrapa Café, no âmbito do Consórcio Pesquisa Café, entrevistamos o pesquisador Carlos Henrique, que destacou as ações do programa de melhoramento genético, as principais cultivares lançadas, o trabalho de transferência de tecnologias, entre outros temas de interesse na área de pesquisa em café.
Embrapa Café - Em que ano e contexto a Fundação Procafé foi criada, qual sua missão/ objetivo e que instituições a compõem?
Carlos Henrique - A Fundação Procafé foi criada em 2001, com o objetivo de preservar e ativar o patrimônio tecnológico do ex-IBC, constituído de banco genético, laboratórios, fazendas experimentais e corpo técnico com toda experiência de mais de 30-40 anos nas atividades de pesquisa e difusão de tecnologia cafeeira. No ano de 1992, foi encerrada a fase de extinção do IBC com a distribuição do pessoal e patrimônio genético e material para outras instituições do Governo Federal. Nesse processo, lutou-se para que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - Mapa mantivesse a maior parte dos imóveis e do pessoal antes ligado ao setor da produção cafeeira. Esse era um caminho natural, pois o corpo técnico era formado por engenheiros agrônomos e técnicos agrícolas, uma equipe com vocação para a agricultura. No Mapa, foi criado o Programa Integrado de Apoio à Tecnologia Cafeeira - PROCAFÉ, por meio de instrumento de convênio firmado entre o Mapa e Confederação da Agricultura e Pecuário do Brasil – CNA e Confederação Nacional do Café - CNC pelo qual os técnicos eram alocados em cooperativas e associações de cafeicultores. Esse convênio vigorou por 10 anos e deu bons resultados. Posteriormente os agrônomos do Mapa passaram a ser fiscais federais agropecuários. Com o esvaziamento do corpo técnico de agrônomos, foi preciso concentrar esforços voltados para a pesquisa e difusão de tecnologia. Foi nesse contexto que a Fundação Procafé foi criada, sucedendo e aperfeiçoando o mecanismo do programa Procafé. Hoje congrega 31 entidades, entre cooperativas, sindicatos e associações de cafeicultores.
Embrapa Café - Qual o perfil de seu corpo técnico e as condições de infraestrutura da entidade?
Carlos Henrique - A Fundação Procafé dispõe da seguinte estrutura: fazenda experimental com 60ha; 15 campos experimentais em colaboração em 11 locais deMinas Gerais, um no Espírito Santo, dois na Bahia e um em São Paulo; sete estações climatológicas automatizadas “tipo Davis” em sete localidades mineiras; prédio de apoio com 550m2 e outro de apoio laboratorial com 400 m2; além de tratores, caminhão, veículos e computadores. Possui também laboratório para análises de solo e folha com capacidade de 15 mil amostras/ano. A equipe técnica e auxiliar é composta de três agrônomos, todos com mestrado, quatro técnicos agrícolas, 20 pessoas de apoio e 25 safristas temporários, além de sete bolsistas.
Embrapa Café - Quais são as principais linhas de pesquisa e transferência de tecnologias?
Carlos Henrique - As principais linhas de pesquisa em andamento na Fundação Procafé são melhoramento genético visando maior produtividade e resistências nos materiais, nutrição e práticas de manejo das lavouras. Os setores de estudo são bastante amplos, procurando atender e resolver problemas regionais levantados em pesquisas de campo. A transferência tem sido apenas em nível grupal e massal, por meio de dias de campo, cursos, palestras, edição de boletins, livros e no site.
Embrapa Café - Até o momento, quantas cultivares já foram lançadas, suas principais características e como têm contribuído para a cafeicultura?
Carlos Henrique - Nos 10 últimos anos, foram registradas 19 cultivares, a maioria vêm sendo plantadas em significativa escala comercial. As características principais dessas variedades são a alta produtividade, vários tipos de resistências, bom vigor, porte baixo e boas características de qualidade dos frutos/grãos. As variedades atuais, a serem substituídas, têm apresentado, ao longo de anos, boas características, assim entendidas pelos produtores. No âmbito do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, estamos buscando desenvolver materiais via clones de gerações híbridas com resistência múltipla.
Embrapa Café - Quais os principais projetos em andamento e os que estão por vir?
Carlos Henrique - Os principais projetos em andamento na Fundação Procafé dizem respeito ao melhoramento genético com multiplicação, via clonagem, de material com resistência múltipla à ferrugem, ao bicho mineiro, a seca e calor. Quanto aos planos futuros, queremos manter e mesmo ampliar nossos trabalhos. No entanto, as expectativas não são as melhores. Apesar dos bons resultados que temos alcançado, temos tido dificuldades de obtenção de recursos. Cremos que a solução permanente para a pesquisa seria a maior estruturação do setor, de forma a contar com uma estrutura física e de pessoal fixos, o que tem sido impossível com o sistema atual, cujo trabalho depende muito do sistema de bolsas e de teses. E as verbas, a cada ano, são incertas e tardam. Em termos de linhas de pesquisa, temos projetos importantes a realizar sobre o manejo de lavouras, com poda e nutrição equilibrada.
Embrapa Café - Como tem sido realizada a transferência de tecnologia?
Carlos Henrique - A transferência de tecnologia no uso de variedades é um trabalho lento, pela forte tradição dos cafeicultores e dos técnicos de campo que os orientam. São utilizados diversos sistemas de informação voltados aos técnicos e produtores para convencê-los a adotar as novas cultivares. O principal são os campos de demonstração. Vemos, como dificuldade, a diversidade de informações entre as várias instituições, sem melhor integração entre elas.
Embrapa Café - Quais os principais públicos beneficiados com a pesquisa gerada?
Carlos Henrique - O público principal é composto por técnicos extensionistas e produtores líderes e, especialmente, aqueles vinculados às cooperativas e associações de cafeicultores.
Embrapa Café - Que tecnologias sustentáveis destacaria entre as geradas pela Fundação Procafé?
Carlos Henrique - Destacamos, exatamente, as tecnologias com maior impacto na produtividade das lavouras e na redução dos custos de produção. Podemos citar dois conjuntos de tecnologias: as de desenvolvimento de novas cultivares produtivas e resistentes; e de racionalização no uso de fertilizantes por meio de manejo equilibrado dos nutrientes, adensamento e poda dos cafeeiros.
Embrapa Café - Além da transferência de tecnologias, realizada por meio de dias de campo, cursos, congressos e treinamentos em geral, a Procafé disponibiliza publicações (livros, revistas e folhas técnicas) e serviços, entre eles a estação de avisos climáticos e fitossanitários. Fale desse trabalho e também dos principais eventos de transferência de tecnologia, periodicidade, público e como ter acesso a essas informações?
Carlos Henrique - A difusão de tecnologia sempre esteve na linha de frente da atuação da Fundação. Aliás, essa é uma característica adquirida da experiência da equipe técnica do IBC, que integra as equipes de trabalho de pesquisa e de assistência. Sabemos que a maior satisfação de quem desenvolve uma tecnologia é que ela não faça apenas parte do seu currículo acadêmico, mas que seja efetivamente utilizada por quem está na ponta. As atividades de difusão são programadas conforme a demanda, visando, na primeira fase, a atualizar os conhecimentos dos técnicos extensionistas e, na segunda etapa, levar informações às cooperativas e produtores associados. Como parte do calendário da Fundação Procafé, são realizados anualmente dois Dias de Campo (nas Fazendas Experimentais de Varginha e de Boa Esperança) para aproximadamente 3 mil pessoas. Os eventos levam informações práticas sobre as mais novas tecnologias utilizadas em campo. Há também Curso de Atualização, no qual técnicos, consultores, produtores e demais interessados assistem palestras técnicas realizadas por profissionais de grande conhecimento em cafeicultura. Nesse último ano, realizamos dois cursos, com cerca de 150 participantes cada. Foi realizado, ainda, o 39º Congresso Brasileiro de Pesquisas Cafeeiras, durante o qual são divulgados e publicados os mais recentes trabalhos de pesquisa. Cerca de 600 pessoas participam desse evento. As tecnologias geradas em nossos campos experimentais são também divulgadas por meio de folhas técnicas (distribuídas a grupo de consultores), revistas, boletins de avisos, palestras, consultorias e publicações. Todas essas informações estão disponibilizadas na homepage da Fundação Procafé gratuitamente aos interessados.
Embrapa Café - De que forma a Fundação Procafé orienta os cafeicultores sobre boas práticas agrícolas visando mais retorno produtivo e qualidade do produto? Com qual periodicidade?
Carlos Henrique - A Fundação não tem um setor para orientação direta ao produtor no dia a dia, pois não tem uma rede de técnicos de assistência técnica espalhada nas regiões produtoras. Nosso trabalho visa difundir conhecimentos e tecnologias na primeira fase, orientando os técnicos para que estes transfiram aos produtores. No entanto, com os nossos sistemas de assistência e difusão grupal e massal, sempre atingimos também os produtores, hoje bem antenados.
Embrapa Café - Quais as principais tecnologias, produtos e serviços desenvolvidos pela Fundação Procafé no âmbito do Consórcio Pesquisa Café? Como estão sendo adotados pelos cafeicultores e com que resultados e/ou benefícios?
Carlos Henrique - Em nosso caso, é difícil discernir o efeito de nosso trabalho tecnológico no geral do trabalho realizado no âmbito do Consórcio. Sabemos que os recursos e o apoio vindos por meio do Consórcio são importantes. Porém, temos de manter nossa estrutura de trabalho ativa, independentemente dos projetos aprovados pelo Consórcio, os quais só atendem alguns setores e cujos recursos têm sido de difícil aplicação em função da burocracia envolvida na aprovação e uso dos recursos. Temos colaborado fortemente no desenvolvimento de novas variedades, atendendo o fornecimento das respectivas sementes e contribuído bastante na indicação de insumos com testagem e racionalização de uso e na análise de solo e folhas, com indicação de adubação e poda das lavouras. Consideramos que os produtores estão adotando bastante as tecnologias desenvolvidas. No uso de insumos, por exemplo, por meio da indicação correta de dosagem, época e fontes de uso, definição de produtos que tenham ou não custo/benefício favorável etc. Sempre pensamos em transferir tecnologias com eficiência produtiva e redução de custos.
Embrapa Café - Além do Consórcio, que parcerias a Fundação Procafé mantém para desenvolver a cafeicultura no Sul de Minas?
Carlos Henrique - Mantemos parcerias com as cooperativas e associações de produtores, com o Mapa e empresas privadas ligadas ao setor cafeeiro. Em boa parte, os recursos utilizados são de geração própria da Fundação, por meio de produção de café, de sementes, de projetos privados.
Embrapa Café - Quais são os números da produção de café em Minas Gerais e Sul do estado no contexto do Brasil e do mundo? É possível mensurar o ganho de produtividade da cafeicultura na região com o advento da Fundação Procafé?
Carlos Henrique - O estado de Minas Gerais é o maior produtor nacional de café com uma média potencial de 25 milhões de sacas de café por safra. O Sul de Minas é a maior região produtora no Estado, contribuindo com uma média de cerca de 13 milhões de sacas/ano. Comparando-se com uma safra atual de cerca de 49 milhões de sacas/ano no Brasil e cerca de 130-140 milhões de sacas produzidas no mundo, tem-se ideia da importância da produção do estado e do Sul de Minas. É difícil mensurar o efeito do trabalho específico ou exclusivo da Fundação. O processo de melhoria da cafeicultura, em termos significativos, teve início no plano de renovação de cafezais, executado pelo IBC no período entre 1970 e 1982. Com a inclusão de novas áreas por meio de zoneamentos, foram implantadas novas lavouras com métodos racionais de cultivo. O setor vem evoluindo e cada participante da cadeia tem tido sua responsabilidade na melhoria. Integrando um elo da cadeia, a Fundação, que sucede o IBC no setor tecnológico voltado para a lavoura cafeeira, se orgulha de ter contribuindo muito pra isso. Infelizmente, não temos tido o apoio financeiro necessário para uma atuação mais abrangente, como deveria ser.
Embrapa Café - Quais as principais dificuldades que a cafeicultura enfrenta neste momento e as principais medidas para suplantar essas dificuldades e aproveitar as oportunidades? Como a pesquisa pode ser cada vez mais parceira do desenvolvimento ao oferecer soluções tecnológicas para o setor produtivo?
Carlos Henrique - As principais dificuldades que a cafeicultura enfrenta no momento é a fase de preços baixos do produto, e, eventualmente, os problemas climáticos. É muito difícil dar uma solução técnica a um problema mais ligado ao mercado, ou seja, um problema econômico, determinado em bolsas de mercadorias. Achamos que a solução, em primeira instância, passa por uma política cafeeira que preserve uma renda mínima ao produtor, como havia antigamente. Afinal, a cafeicultura tem, ainda, muita importância social no Brasil e no mundo. É baseada na atividade de pequenos e médios produtores, os quais, além da renda, geram muitos empregos e desenvolvimento regional. Trabalhar a melhoria da produtividade sempre foi a regra básica, em quaisquer situações de mercado, para gerar melhores níveis de renda. Paralelamente, deve-se cuidar da racionalização dos custos, cortando investimentos e práticas culturais de menor resposta produtiva. A mecanização e a irrigação são ferramentas muito úteis para reduzir custos e aumentar a produtividade. Muitas regiões, como as de montanha, tem mais dificuldades de competir nesse momento. As soluções tecnológicas, em sua maioria, já estão disponíveis. Resta empregá-las com mais trabalho de difusão e meios aos produtores para aplicá-las.
Embrapa Café - Fale-nos sobre a técnica que multiplica in vitro, a partir de tecido da folha, plantas de café arábica de características favoráveis, como resistência ao bicho mineiro e à ferrugem, boa qualidade de bebida e alta produtividade - também conhecida por clonagem. Quais são os principais parceiros, as vantagens da tecnologia e o estágio atual da pesquisa?
Carlos Henrique - Temos projeto nacional para o desenvolvimento e avaliação de plantas matrizes visando à liberação de cultivares clonais com características ainda não disponíveis nas cultivares comercias. São plantas com resistência ao bicho-mineiro, a nematoides e à ferrugem e/ou altíssima produtividade. Esse projeto é uma parceria entre a Embrapa Café, Fundação Procafé, Instituto Agronômico do Paraná - Iapar, Empresa de Pesquisa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais - Epamig e Instituto Agronômico – IAC, todos participantes do Consórcio Pesquisa Café. Contribuíram também, especificamente para o desenvolvimento do protocolo de propagação de mudas clonais, o Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa para o Desenvolvimento Agronômico – Cirad e a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Por exemplo, o biorreator, desenvolvido pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, desempenha papel muito importante no processo de produção de mudas clonais, porque fornece as condições adequadas para a produção de embriões somáticos de alta qualidade e em grande quantidade, o que reduz o custo de produção das mudas clonais. Atualmente trabalho em colaboração com a Fundação Procafé para o desenvolvimento de cultivares de café com resistência ao bicho-mineiro, escalonamento de colheita, resistência duradoura à ferrugem e cultivares clonais. O aperfeiçoamento do protocolo para a produção de mudas clonais via embriogênese somática em escala industrial é também uma das prioridades de minha pesquisa. O objetivo desse projeto é reduzir o custo de produção de mudas clonais, a fim de facilitar a sua inserção no mercado de produção de mudas e viabilizar o negócio de biofábricas de produção de mudas clonais de café.
Embrapa Café - Como é ser pesquisador da Embrapa Café lotado na Fundação Procafé? De que forma essa parceria incrementa o trabalho de pesquisa?
Carlos Henrique - Uma das grandes vantagens de trabalhar na Fundação Procafé é o fato de estar localizada em uma região cafeeira, em contato diário com cafeicultores, técnicos e outros agentes do negócio café. Além disso, a Fundação possui fazendas experimentais com boa infraestrutura, mão-de-obra e agilidade para tomada de decisões e para a compra de insumos e equipamentos, o que facilita os trabalhos de pesquisa. Por outro lado, como sou o único pesquisador da Embrapa Café atuando no Procafé, sinto falta de mais interação com outros membros da nossa Unidade.
Fonte: Embrapa Café
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