Aveia, Trigo e Cevada

Trigos novos perpetuam impasse

Produtores têm que escolher entre qualidade e produtividade na hora do plantio. Ou agradam à indústria ou tentam garantir lucro


Publicado em: 11/09/2012 às 13:40hs

Trigos novos perpetuam impasse

A atuação do setor de pesquisa na área de trigo tem oferecido ao produtor cada vez mais cultivares, mas a cadeia ainda não conseguiu equalizar os interesses de agricultores e indústria. De um lado está a produtividade, que torna o cultivo potencialmente mais rentável. Do outro a qualidade, as exigências de padrão que, ligadas à demanda, determinam as compras da indústria. Mesmo com o surgimento de pelo menos 20 novas variedades desde 2008, o impasse não foi resolvido, colaborando para a redução no interesse pela cultura. No Paraná, a área plantada cai há três anos e pode ter novo recuo em 2013.

A maioria dos produtores tem optado por variedades mais produtivas na hora de realizar o plantio, mesmo sem a garantia de compra. Segundo Volmir Sergio Marchioro, pesquisador da Cooperativa Central de Pesquisa Agrícola (Coodetec), isso ocorre porque a aposta em qualidade, mesmo com melhor possibilidade de venda, ainda não tem sido lucrativa após a colheita.

“Há um preço diferenciado pela qualidade, mas o produtor ainda não sentiu isso no bolso. Enquanto essa situação permanecer, ele vai escolher uma variedade que produza bem”, explica.

O produtor Ricardo Voltre, que planta trigo em Carambeí, nos Campos Gerais, confirma essa realidade. Segundo ele, é praticamente impossível produzir o trigo melhorador, que tem a melhor classificação, na região. “A gente fica ‘entre a cruz e a espada’, mas o jeito é apostar na produtividade e rezar para que o produto tenha qualidade razoável”, relata. Ele conta com o apoio de uma cooperativa para fazer a comercialização, mas destaca que isso não resolve os problemas.

Outro aspecto que deixa os produtores em dúvida é o leque de opções na hora de escolher um cultivar. Nos últimos dois anos, a Coodetec lançou oito novas sementes, enquanto a Embrapa Trigo produziu outras quatro. Desde 2008, a Biotrigo, que tem cerca de 55% do mercado nacional, lançou dez variedades em todo o país.

Para Ivo Arnt Filho, produtor e presidente da Comissão de Cereais da Federação de Agricultura do Estado do Paraná (Faep), a grande oferta impede que as culturas ganhem maturidade, a ponto de se perceber as especificidades de cada tipo. “Não dá tempo da variedade se estabilizar, para que o produtor avalie qual a melhor finalidade para o produto. Isso seria importante, até porque ainda não é possível aliar qualidade e produtividade”, afirma.

Eduardo Caieirão, pesquisador da Embrapa Trigo, confirma o prejuízo que a troca constante de cultivares acarreta. “É uma autocrítica ao setor de pesquisa. Todo ano são lançadas novas variedades, incentivando o produtor a trocar. Isso reduz a vida útil dela, e dificulta a análise do produto”, comenta.

Uma solução para isso é a adoção de um padrão de cultura que atenda toda a cadeia produtiva, relata Jacson Zuchi, pesquisador da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Sul (Fepagro). “Falta uma identidade, e isso poderia ser proposto pelas cooperativas e empresas do segmento”, pontua.

Pesquisa e investimento têm feito a diferença


Embora a produtividade seja o item valorizado pela maioria dos triticultores, o rendimento médio do cereal paranaense ainda é baixo, se comparado ao de outras regiões. Dados da Secretaria Estadual da Agricultura e do Abastecimento (Seab) mostram que no plantio 2011/12 a produtividade média do estado foi de 2.793 quilos por hectare. O núcleo regional de Ponta Grossa obteve o melhor desempenho, atingindo 3.420 quilos/hectare. Mesmo assim, a condição climática favorável não gera superioridade frente a estados das regiões Sudeste e Centro-Oeste.

Conforme a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produtividade média da safra 2011/12 em Minas Gerais foi de 3.917 quilos/hectare, numa área pequena, de 23 mil hectares. Em Goiás, onde a área é de apenas 9 mil hectares, o rendimento obtido foi de 4.949 quilos/hectare. No Paraná, o plantio ocupou 760 mil hectares, indica a Seab.

Hugo Godinho, técnico do Departamento de Economia Rural (Deral) da Seab, explica que nesses casos a diferença ocorre pois a produção é irrigada, algo que não ocorre nas lavouras paranaenses. “Com a irrigação, o estado poderia se aproximar desses níveis de produtividade, mas isso é inviável no estado”, explica.

No mercado internacional, a diferença se acentua ainda mais. Dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o Usda, mostram a superioridade das lavouras de países que integram a União Europeia. Na média, obtêm-se 5 mil quilos de trigo em cada hectare plantado. Marca que supera, inclusive, o rendimento norte-americano, que é de 3.124 quilos/hectare.

Nesses casos, afirma Godinho, a tradição da cultura é um fator diferencial. “Em regiões como a Rússia e a Ucrânia, a qualidade do solo é espetacular. Além disso, essas regiões são o berço da cultura, o que torna a pesquisa mais avançada”.

Produtor e presidente da Comissão de Cereais da Federação de Agricultura (Faep), Ivo Arnt Filho destaca que o foco em qualidade ajuda a diferenciar o produto estrangeiro. “Em países como a Alemanha, não se busca tanto a produtividade, mas sim a qualidade”. Ele ressalta que, além de lançar novas variedades, deve-se estabelecer o melhor destino comercial para a cultivar plantada. “A própria pesquisa não está direcionando a variedade para o fim mais adequado”, argumenta.

Para avaliar a adequação das variedades, a Fundação Pró-Sementes realiza ensaios em campos experimentais em polos produtivos. Os resultados em alguns casos chegam a dobrar a produtividade média da região, ainda que os produtos não obtenham a maior classificação.

Mesmo assim, a coordenadora da unidade de cultivos de inverno da instituição, Kassiana Kehl, explica que o manejo correto pode equalizar qualidade e produtividade. “Há muito material parecido sendo lançado. Por isso, é importante procurar um diferencial. Na prática o resultado pode ser diferente”, diz.

De acordo com Godinho, a troca de informações entre a indústria e os produtores pode melhorar o desempenho no campo. “Um acompanhamento da produção e da qualidade do produto colhido poderiam ajudar o produtor a escolher o trigo certo, mais adequado ao seu objetivo”, complementa.

Indústria

Moinhos garantem compra mediante qualidade comprovada


Os produtores que decidirem apostar em variedades de qualidade, com alta classificação, têm garantia de comercialização à indústria, conforme o vice-presidente Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), Marcelo Vosnika. Segundo ele, o produtor focou na em produtividade porque os preços mínimos pagos pelo governo nos últimos anos estavam vantajosos e, de certa forma, garantiam a comercialização de grãos de qualidade inferior. “Agora o consumidor tem exigido mais qualidade, o que se reflete na demanda da indústria”, diz.

O moinho administrado por Vosnika trabalha com garantia de compra mediante a qualidade comprovada, mas sem preços pré-fixados. Na opinião dele, deveria haver maior investimento na separação e qualificação do produto. “Existe uma estrutura que dá conta de fazer a segregação e a armazenagem [antes de o produto chegar à indústria], mas que em grande parte ainda é destinada para a soja e o milho”, completa.

Fonte: Gazeta do Povo

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