Mercado Financeiro

O futuro do CRA

Saiba por que os Certificados de Recebíveis do Agronegócio, papel que tem crescido nos últimos anos como fonte de crédito, devem ganhar uma regulamentação própria em 2018


Publicado em: 23/03/2018 às 18:00hs

O futuro do CRA

O ano passado terminou sem que uma promessa fosse cumprida: a regulamentação do Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), um dos papéis que nos últimos anos tem ganhado peso como financiador de toda a cadeia do campo. A responsável pela promessa, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), havia colocado em sua agenda, iniciada em maio, que a normativa seria anunciada até dezembro. Mas a autarquia, vinculada ao Ministério da Fazenda para fiscalizar, normatizar, disciplinar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil, cumpriu apenas uma parte da agenda prometida com a realização de uma consulta pública e nada mais. “A publicação da normativa não saiu por causa do processo de análise das propostas recebidas nessa consulta”, afirma Antonio Berwanger, superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM. “Mas ela será publicada neste ano.” Para o agronegócio, regulamentar o CRA com normas próprias pode ser considerado um marco no setor. Isso porque a oferta desse papel, que existe desde 2004 e que era pouco utilizado no passado, em 2017 chegou a R$ 30 bilhões acumulados. Apenas no ano passado, as emissões foram de R$ 8,3 bilhões “Normas próprias darão mais segurança jurídica ao mercado”, diz Berwanger.

Com uma normativa específica, o papel, que hoje está restrito a grandes investidores, poderá ser ofertado a milhares de investidores do mercado varejista que vêem o campo como um porto seguro para as suas economias. Essa é uma possibilidade de ouro para o setor. Atualmente, os CRAs somente podem ser emitidos para investidores com mais de R$ 1 milhão disponíveis. As instruções propostas pela CVM contemplam todo o processo, da emissão à liquidação dos CRAs, baseados nas especificidades do campo e em sua proteção como segmento econômico. Entre as normas está, por exemplo, a de que em toda operação de CRA é preciso ter na sua origem um produtor rural, uma cooperativa ou um terceiro elemento relacionado à produção, como a agroindústria, os insumos e as máquinas. O ciclo de plantio, a colheita e o comércio da lavoura também são levados em conta no momento da liquidação dos papéis, dando segurança ao produtor e ao investidor. Entre as entidades que se manifestaram junto à CVM está a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que sugeriu uma série de modificações às propostas apresentadas. Entre elas a de que não cabe à CVM decidir sobre uma classificação de risco dos papéis e sim aos investidores. “Recebemos 27 manifestações na consulta pública”, diz Berwanger.

“Temos contato com investidores institucionais e estrangeiros que estão apenas esperando um regime mais adequado para entrar no mercado do CRA” Pedro Junqueira,sócio e diretor da Uqbar

Um dos objetivos é que as normas dos CRAs tenham a mesma transparência daquelas aplicadas para os Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC). Na linguagem financeira, FIDC significa fundos geridos por condomínios de investidores que unem os seus recursos em um investimento comum. De acordo com Pedro Junqueira, sócio e diretor da Uqbar, consultoria carioca especializada em finanças estruturadas, o atual ponto fraco do promissor mercado de CRA está justamente em seu regime de informações. “Na prática, esse regime não agrega valor”, diz Junqueira. Normas específicas para o papel vão deixar as transações mais transparentes, sem brechas para tropeços jurídicos, como os que têm ocorrido no mercado. Dois episódios foram polêmicos para a CVM. Um deles aconteceu com a rede de fast food Burger King, que não é classificada como empresa do agronegócio e mesmo assim conseguiu emitir CRAs no valor de R$ 150 milhões, em 2016. O outro caso ocorreu no ano passado, quando a multinacional de insumos agrícolas Syngenta, que solicitou a emissão de R$ 850 milhões, teve seu pedido negado por não conseguir provar a origem dessa emissão.

O fato é que nesse universo tudo é muito recente. O grande avanço do mercado dos CRAs começou em 2014, ano em que a oferta do papel foi de R$ 1,4 bilhão, segundo a CVM. Esse valor é quase o que gigantes do setor emitiram sozinhas, no ano passado. O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, saiu com R$ 1,08 bilhão; a Ipiranga, com R$ 1,01 bilhão, mais a Raízen e a Fibria, com valores próximos de R$ 950 milhões. De acordo com Moacir Teixeira, economista e sócio da Ecoagro, maior securitizadora de CRAs no País, com R$ 13 bilhões acumulados, a tendência é de um maior número de empresas e de produtores dispostos a emitir CRAs no mercado e mais investidores interessados no papel. “Nos próximos anos, o CRA será o maior instrumento financiador do agronegócio”, diz Teixeira. Sua importância deve aumentar, à medida que o setor, cada vez menos, poderá contar com recursos públicos. Para Junqueria, da Uqbar, essa é uma tendência sem volta. “Há a necessidade de substituir esse crédito direcionado com novos títulos”, diz ele. “Temos contato com investidores institucionais e estrangeiros que estão apenas esperando um regime mais adequado para entrar no mercado do CRA.” Nas últimas três safras agrícolas, o crédito ao produtor tem caído sem parar, em relação ao anunciado pelo governo. Na safra 2016/2017, por exemplo, foram prometidos R$ 203 bilhões e liberados apenas R$ 137,2 bilhões.

Fonte: Dinheiro Rural

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