Assuntos Jurídicos

O Funrural e a insegurança jurídica

A conjuntura política e econômica brasileira não tem facilitado o setor sucroenergético


Publicado em: 31/10/2017 às 20:10hs

O Funrural e a insegurança jurídica

Fossem as dificuldades apenas conjunturais, o mal seria menor. Há, porém, um desafio estrutural: o cenário tributário brasileiro, que torna ainda mais difícil o retorno do investimento.

Além das alterações na tributação do etanol, que movimentaram o setor em 2017, e das recentes e complexas obrigações acessórias exigidas pela Receita Federal, como o eSocial e EFD-Reinf, que passarão a ser obrigatórias a partir de janeiro de 2018, dentre outras, o antigo Funrural voltou à pauta das agroindústrias e produtores rurais neste ano.

A contribuição previdenciária devida pelo empregador rural pessoa física, conhecida como Funrural, é destinada à seguridade social e calculada pela aplicação da alíquota de 2,1% sobre a receita bruta de comercialização. A contribuição resultante desse cálculo deve ser retida na nota fiscal de compra e recolhida pela pessoa jurídica adquirente da produção do empregador rural pessoa física (sub-rogado).

O Funrural, entretanto, desde sua primeira aparição no ordenamento jurídico brasileiro, foi objeto de muitas discussões - a sua constitucionalidade chegou a ser questionada. Isso porque apenas a Emenda Constitucional 20/98 introduziu a previsão de contribuição social com base na receita.

Assim, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010 e posteriormente em 2011, declarou a inconstitucionalidade do Funrural na forma na Lei no. 8.540/92, e nesse último caso, com repercussão geral, ou seja, com efeitos aplicáveis a todos os casos semelhantes.

Movidos pelos precedentes de inconstitucionalidade e pela insegurança quanto à cobrança ou não do Funrural, muitos produtores conseguiram, por meio de medidas liminares, a suspensão da exigência da contribuição, enquanto outros simplesmente deixaram de fazer as retenções sobre as aquisições de produtos provenientes de produtores pessoas físicas, sem qualquer amparo em liminares. A ausência desses recolhimentos gerou um passivo relevante, que não foi mensurado na maioria dos casos, apesar de estar vigente a Lei no. 10.256/01 que disciplinou o Funrural, após a Emenda Constitucional 20/98.

Nesse contexto, contrariando as expectativas dos empresários rurais e agroindustriais, em 30 de março de 2017, o STF decidiu pela constitucionalidade do Funrural, em decisão ainda não definitiva com acórdão publicado em 28 de setembro de 2017.

No intervalo entre a decisão do STF, em março, e sua publicação, em setembro, o alvoroço provocado pela expectativa de cobrança retroativa da contribuição gerou dois importantes movimentos que aumentaram as incertezas dos produtores e agroindústrias. De um lado, o Governo Federal lançou o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR), que permite a quitação em melhores condições dos débitos do Funrural em aberto e reduz as alíquotas da contribuição a partir de janeiro de 2018. De outro, o Congresso editou a Resolução nº 13/2017, que, na prática, resultou na suspensão da exigência da contribuição até janeiro de 2018, e reacendeu a esperança pela anistia dos débitos do Funrural em aberto.

Apesar da expectativa de que a Resolução nº 13/2017 consiga suspender a cobrança dos débitos em aberto, a retroatividade de seus efeitos no tempo não é assunto pacífico entre os juristas. Há correntes que defendem que uma resolução só tem eficácia para fatos posteriores à sua edição. Além disso, a fundamentação dos votos vencedores na decisão do Supremo conflita diretamente com os argumentos da resolução. Afirmam os ministros do STF que o artigo responsável pela exigibilidade da contribuição nunca foi declarado inteiramente inconstitucional, pois tratava de dois assuntos diferentes, e apenas um deles foi julgado, com decisão definitiva, motivo pelo qual não haveria razão para que tivesse sua eficácia suspendida.

Nesse ambiente de incertezas, o empregador rural, confiante na eficácia da resolução, quer vender sua produção livre da cobrança do Funrural, ao passo que as empresas adquirentes, com medo dos olhos da Receita Federal, querem ajustar os procedimentos e garantir os recolhimentos ao Fisco.

A insegurança jurídica tem levado alguns setores a sofrer com a demora nas negociações, pois dificulta a tomada de decisões pelos interessados. Outra consequência é a baixa adesão ao PRR durante a vigência do prazo anteriormente estipulado (29 de setembro), que levou à prorrogação pela Medida Provisória 803/17 para 30 de novembro.

O receio da cobrança de mais uma contribuição que já estava fora do radar dos produtores e agroindústrias persiste, e ganha força com a insegurança jurídica instaurada. Assim, nesse momento, é importante que as decisões relacionadas ao Funrural sejam cuidadosamente avaliadas e pautadas no conhecimento técnico de especialistas tributários, para que, no futuro, as ações colocadas em prática hoje não tragam consequências indesejadas.

Ana Malvestio e Tamara Dias - Sócia da PwC Brasil e líder de Agribusiness; Consultora sênior da PwC Brasil, respectivamente

Fonte: Agência UDOP de Notícias

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