Nutrição

No Pantanal, moringa e mandioca substituem milho e soja na alimentação de galinhas

O uso do milho e do farelo de soja na ração de galinhas, comum em outras partes do Brasil, é mais difícil na região do Pantanal do Mato Grosso do Sul


Publicado em: 09/11/2017 às 17:00hs

No Pantanal, moringa e mandioca substituem milho e soja na alimentação de galinhas

O uso do milho e do farelo de soja na ração de galinhas, comum em outras partes do Brasil, é mais difícil na região do Pantanal do Mato Grosso do Sul. Na área pantaneira, fatores como logística de transporte, custos de importação, chuvas irregulares e ataque de predadores nas lavouras, como periquitos e outros pássaros, inviabilizam o uso desses insumos básicos.

Por isso, pesquisadores da Embrapa Pantanal (MS) desenvolveram uma alternativa para facilitar a alimentação dos animais no bioma: a ração feita de moringa e mandioca, que pode substituir cerca de 50% do milho e do farelo de soja da alimentação tradicional, oferecendo bons resultados de engorda a custos menores para pequenos produtores.

Os estudos que levaram ao desenvolvimento dessa alternativa tiveram início em 2013, quando os pesquisadores da Embrapa Raquel Soares e Frederico Lisita discutiram formas de alinhar as necessidades nutricionais dos animais da região aos recursos disponíveis. Os cientistas concluíram que esses alimentos poderiam nutrir as galinhas de maneira semelhante ao milho e à soja. A mandioca é naturalmente cultivada em abundância no bioma pantaneiro; já a moringa tem múltiplos usos: além de nutritiva, pode servir como pasto apícola e apresenta boa adaptabilidade às condições ambientais locais.

Ração passou por testes internacionais

O primeiro projeto de pesquisa na área foi realizado através do Agricultural Innovation Market Place, uma plataforma internacional que viabiliza cooperações de pesquisa entre profissionais brasileiros e da América Latina, África e Caribe. A ração de moringa e mandioca foi testada em Camarões, África, para nutrir galinhas poedeiras criadas em sistema semiextensivo. A produtividade, saúde dos animais e qualidade dos ovos não foram prejudicadas pela substituição, de acordo com Raquel, e o sabor da gema permaneceu semelhante ao dos ovos postos por galinhas alimentadas tradicionalmente. A única diferença estava na coloração da gema, mais forte que a dos ovos comuns.

A pesquisadora ressalta, ainda, que com a oferta da ração alternativa em um sistema semiextensivo, é esperado que os animais também consumam leguminosas e insetos ao ciscar, tendo uma maior diversificação alimentar.

A mandioca, de acordo com Lisita, é um alimento energético com baixo custo de produção que oferece os amidos necessários à dieta dos animais, atuando na substituição do milho. Já a moringa, que substitui parte do farelo de soja, é responsável por fornecer proteína à ração – a quantidade da substância pode chegar a 30% nas folhas da planta. Ela também é rica em vitamina C, betacaroteno, fósforo, ferro, potássio e cálcio, sendo inclusive recomendada para mulheres em lactação e para o consumo humano em geral. A moringa possui, ainda, substâncias antioxidantes, pigmentos carotenoides e pode enriquecer a alimentação de outros animais: equinos, suínos, caprinos e bovinos, ajudando a nutri-los nos períodos de seca.

Aproveitando material que não seria vendido

Ao investigar formas de se processar a moringa e a mandioca para a nutrição animal alternativa, com foco na agricultura familiar, a pesquisa chegou a uma formulação de ração que apresenta eficiência na engorda e aceitação por parte das galinhas e frangos caipiras. O método visa reduzir custos, uso de mão de obra especializada e a necessidade de equipamentos resultando em facilidade na produção. A formulação recomendada atualmente tritura as raízes de mandioca (integrais, com casca) em uma picadeira de forragem. Nesse caso, o produtor pode aproveitar a mandioca mais antiga, que passou do ponto para ser vendida na feira.

“Três quilos de mandioca fresca rendem, em média, um quilo de mandioca seca em pó. Cada galinha, se for criada ´solta´ no sistema, pode comer até cerca de 120g de ração com 70% de mandioca na formulação. Vamos arredondar esse consumo para 100g de mandioca seca por dia consumida por animal. Dessa forma, devemos produzir 300g de mandioca fresca diariamente para que ela se transforme em 100g de material seco. Multiplicando os 365 dias de um ano por 300g, temos um uso de 110 quilos de raízes de mandioca por galinha, anualmente”, esclarece o pesquisador.

Esse material, de acordo com Frederico, deve ser deixado ao sol para secar por cerca de dois dias, dependendo da temperatura, da umidade relativa do ar e do vento. “Deve-se dispor a mandioca triturada no secador solar, bem distribuída, com no máximo dez centímetros de espessura, revolvendo o material a cada duas horas para permitir uma secagem uniforme”, diz. Quando o material atingir o ponto de feno, com cerca de 15% de umidade, pode ser moído para se transformar em farinha e ser armazenado. “Para saber qual é o ponto de feno, basta pegar parte do material, colocar em um copo de vidro, adicionar um punhado de sal de cozinha e agitar. Se o sal ficar aderido ao feno, significa que ele ainda não está pronto e precisa de maior exposição ao sol. Se o sal não aderir e cair no fundo do copo, o processo está completo.”

Pesquisadores Raquel Soares e Frederido Lisita explicam como usar mandioca e moringa na alimentação de galinhas no Pantanal

Da moringa se utilizam talos finos e folhas, que também são triturados (separados da mandioca) na máquina e secados ao sol para armazenamento – ou fornecidos in natura, à vontade, para os frangos. “Quando o tempo está quente, bastam poucas horas de sol para que as folhas de moringa atinjam o teor correto de umidade”. Se a moringa for destalada (usando apenas as folhas para produzir a ração, sem os talos), não há necessidade de passar o material pela picadeira, afirma Frederico. Nesse caso, é possível deixar as folhas no secador solar e depois triturá-las no liquidificador. “É importante que a ração tenha um alto teor de folhas, já que estas são ricas em proteína”. O ponto de secagem é o de feno, semelhante ao da mandioca, com cerca de 15% de umidade.

De acordo com o pesquisador, a ração deve conter 70% de mandioca e 30% de moringa. “No caso de galinhas e frangos do tipo caipira em sistema tradicional [quando as aves são criadas soltas e recebem apenas milho como suplementação alimentar], avalia-se que uma ração composta com essa percentagem contribua no aumento da postura de ovos e na diminuição do tempo de abate, bem como em maior ganho de peso”, diz o pesquisador.

Ele afirma que essa fórmula de ração alternativa tem potencial para fazer com que o frango caipira atinja seu peso de abate, que fica em torno de 2,5 kg, em cerca de três meses. “Animais alimentados apenas com o milho levam o dobro do tempo para chegar a esse valor”, diz. Frederico ressalta que, depois de pronta, é preciso acrescentar um pouco de água à ração seca e fazer pequenos bolinhos com ela. Dando maior consistência ao alimento, as galinhas caipiras se interessam por ciscá-lo.

Além desta formulação, a Unidade de pesquisa avalia a eficácia de técnicas simplificadas para a nutrição de galinhas caipiras criadas por pequenos produtores rurais. Lisita e Raquel abordaram o uso de alimentos alternativos em sistemas produtivos indígenas, por exemplo, em um dia de campo realizado este ano na Terra Indígena Lalima, em Miranda (MS). “Essa é a terceira atividade com os agricultores familiares indígenas. Já falamos sobre criação de galinhas caipiras na aldeia Lagoinha e na Terra Indígena Cachoerinha”, explica Lisita. Durante o encontro com os agricultores, ele expôs algumas formas de se processar a moringa e a mandioca para fornecê-la aos animais, aproveitando o subproduto da ração na alimentação humana.

Atualmente, os pesquisadores investigam métodos de processamento como o uso da mandioca descascada e ralada; cortada em pedaços maiores e triturada no liquidificador; ou, ainda, de pedaços grandes das raízes com casca fermentados na água por alguns dias e ralados ao final do processo. Todos esses métodos são associados ao acréscimo da moringa seca ou fresca, diz Frederico Lisita. A fécula de mandioca retirada do “caldo” resultante do processamento da mandioca (que é separado e reservado, já que possui algumas proteínas solúveis e minerais para ser usado na alimentação humana ou dos animais) pode ser aproveitada para produzir tapioca.

Nesse momento, os estudos avaliam a quantidade de amido resultante dos diferentes tipos de processamento, a quantidade recomendada para cada formulação, quantos dias são necessários para a fermentação da mandioca e outros aspectos que podem variar – dependendo, inclusive, das condições ambientais em cada propriedade do Brasil.

Importância da sanidade animal

Tão importante quanto uma alimentação balanceada são os cuidados com a saúde dos animais, afirma a pesquisadora Raquel. O assunto também foi abordado no dia de campo realizado com moradores da Terra Indígena Lalima. Na região pantaneira, de acordo com a pesquisadora, é comum que as galinhas caipiras dos assentamentos, tribos indígenas e populações tradicionais em geral sejam criadas soltas, de forma extensiva, com pouco investimento em instalações. “Essa prática oferece algumas facilidades, mas também traz problemas em relação à predação, baixa produtividade e disseminação ou aparecimento de doenças. Se o animal morre, fica mais difícil identificar a causa.”

Ainda segundo Raquel, as galinhas criadas nesse sistema permanecem geralmente soltas e se alimentam apenas do que encontram na natureza, fazendo seus abrigos nas árvores e botando seus ovos em meio à vegetação, dificultando a coleta. “A ideia é que os pequenos produtores comecem a ter práticas de maior controle sobre a criação que já possuem, observando quais são as doenças mais frequentes”. Para melhorar o controle da predação e da coleta de ovos e pintainhos, por exemplo, a pesquisadora sugere a construção de abrigos simples, onde as galinhas passarão a noite. “Os animais vão ter uma certa liberdade para pastejar, mas serão recolhidos ao final da tarde para que fiquem abrigados, distantes de predadores, e para que adquiram o hábito de serem alimentados em determinada hora do dia.”

É nesse momento, quando os animais são recolhidos, que o produtor pode observá-los e identificar quais precisam de cuidados. “O primeiro item a ser checado é se a galinha está botando ovos. Caso ela esteja com algum desconforto, a produção é interrompida — ela pode estar mal alimentada ou doente. Outra questão importante é o comportamento do animal: se está ativo, ciscando, pastejando ou se está isolado, com a cabeça baixa, cansado”, instrui a pesquisadora.

Raquel ressalta que as doenças em aves são muito semelhantes: geralmente, apresentam uma manifestação respiratória ou digestiva. “Temos que avaliar se a cor das fezes está normal, se o animal tem um estado geral bom, sadio, viçoso, ou se as penas estão caindo, se apresenta pulgas e carrapatos. Aproximar o criador do animal nessa intensificação faz com que ele observe mais, os conheça melhor de forma geral e aprimore o manejo”, diz.

Caso uma das galinhas apresente sintomas que exijam atenção, a pesquisadora sugere que ela seja separada do grupo para não contaminar os outros animais (especialmente se eles compartilharem o abrigo, já que a proximidade pode facilitar o contágio). Observá-los também ajuda a identificar aqueles que precisam de reforço na alimentação. “Junto com o alimento será dado o tratamento, se algum indivíduo estiver doente, ou oferecido o tratamento preventivo, como aquele usado contra verminoses, que são comuns.”

Os animais fortes, adaptados às condições do ambiente, que resistem e sobrevivem às enfermidades, precisam ser conservados na criação para que seu material genético seja mantido no criatório, diz Raquel. “Raças com perfil de produção industrial nem sempre são interessantes para os pequenos produtores pelas dificuldades de adaptação à criação extensiva e às condições que ela oferece. É preciso fomentar, aprimorar o que já existe.”

Para Raquel, a alimentação e o manejo sanitário devem ser organizados em conjunto, já que um aspecto tem impacto direto sobre o outro. “É interessante que produtores rurais e a população em geral entendam que a segurança alimentar tem a ver com a qualidade do alimento que estamos consumindo. Cada trabalhador do campo produz não só para o mercado, mas para si, seus filhos e para a comunidade. Por isso, necessitamos de bons produtos. Precisamos que não só os consumidores, mas também os produtores rurais e suas famílias possam usufruir de uma alimentação com boa qualidade, em quantidade suficiente, que garanta a segurança alimentar da população local.”

Fonte: Embrapa Pantanal

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