Pesquisas

A nova arca de Noé

Pesquisadores da UFV constroem caminhos virtuais para conectar áreas de preservação ambiental em todo o planeta e evitar perda de biodiversidade com as mudanças climáticas


Publicado em: 27/11/2017 às 16:00hs

A nova arca de Noé

Enquanto muitos abusam do planeta sem pensar em quem vem pela frente, outros começam a planejar a sobrevivência na Terra daqui a 50 anos. A Fundação Leonardo Di Caprio acaba de divulgar um projeto de escala global para mapear possíveis corredores ecológicos que irão permitir o livre deslocamento de animais, a dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal entre áreas protegidas à medida que as mudanças climáticas avançam. E quem traçou os caminhos para este futuro foi uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa.

O trabalho dos pesquisadores do Departamento de Solos da UFV irá subsidiar o esforço da Leonardo DiCaprio Foundation para arrecadar mais de 20 milhões de dólares e acelerar iniciativas de conservação e a busca de soluções inovadoras para a crise climática. A equipe coordenada pelo professor Elpídio Inácio Fernandes Filho foi convidada pela Fundação Globaïa, situada na Inglaterra, para, em seis meses, mapear uma possível rede de segurança para a sobrevivência de espécies ameaçadas no planeta.

“Para executar este projeto, a Fundação Leonardo DiCaprio considerava convidar algumas universidades dos Estados Unidos e da Europa com as quais já havia trabalhado. Foi quando apontei a importância de trabalharmos com uma universidade do Brasil devido à posição do país no ranking de diversidade biológica e à necessidade de abordarmos um projeto dessa magnitude a partir de diferentes ângulos. Além de ter grande tradição de pesquisa, a UFV mostrou disponibilidade e capacidade necessárias para lidar com o projeto em um período de tempo tão curto”, disse Manno França, um dos diretores da Fundação Globaïa.

Para o trabalho, os pesquisadores, especialistas em geoprocessamento, buscaram mapas de todas as áreas protegidas conhecidas no planeta e desenvolveram modelos computacionais sofisticados para buscar rotas viáveis entre elas. O objetivo é que os caminhos traçados se tornem áreas delimitadas e definidas como de alta prioridade. Caso o projeto se concretize, serão recuperadas com mata nativa para movimentação de espécies e fluxo gênicos.

O mapeamento global de corredores ecológicos e do potencial de conservação é a fase inicial de um projeto mais longo de utilização dos mapas como base para desenvolver outro ainda mais complexo e detalhado. Para Manno França, ”o objetivo final é chegar a uma proposta de conservação e uso sustentável de cerca de 50% do planeta, considerando a necessidade de assegurarmos a integridade da biosfera em face do crescimento acelerado da população mundial”.

Por que ter uma rede de segurança?

Para entender melhor a proposta lançada pela Fundação do famoso ator de Hollywood, é preciso saber que pesquisadores e ambientalistas reconhecidos acreditam que, para garantir a sobrevivência humana, é preciso que metade do planeta esteja protegido para manter recursos biológicos da flora e da fauna. De acordo com o Relatório do Planeta Vivo, do World Wide Fund for Nature (WWF/2016), o desmatamento generalizado já fez desaparecer da Terra metade das espécies de vertebrados, desde a década de 1970. A situação é muito pior para as populações de água doce, que registraram um declínio global de 80% no mesmo período.

"A sociedade moderna tem subestimado o papel vital que a natureza desempenha em fornecer à humanidade ar puro e água, alimentos saudáveis e um clima estável - elementos essenciais para sustentar a vida. Uma ‘rede de segurança’ de ecossistemas protegidos e conectados ao redor do planeta, poderia evitar uma crise climática e criar um mundo onde a natureza e a humanidade coexistam e prosperem", afirmou Justin Winters, diretor executivo da Fundação Leonardo DiCaprio.

Ao lançar o projeto em Washington, este mês, Winters disse ainda que, sem uma diversidade de espécies de plantas e animais, os principais ecossistemas poderiam entrar em colapso, ameaçando os recursos sobre os quais a civilização humana se baseia. “Os ecossistemas saudáveis capturam, filtram, reciclam e distribuem a água da chuva, irrigam as culturas e fornecem água potável para bilhões de pessoas. Eles também absorvem enormes quantidades de dióxido de carbono, o gás de efeito estufa, que causam as mudanças climáticas. Sem os ecossistemas intactos, o carbono atmosférico seria mais do dobro do que é hoje, tornando o planeta inadequado para a habitação humana”.

Trabalho feito à mão

Para o trabalho, a equipe usou bases de dados cartográficos que são fornecidos pelos governos e instituições não governamentais de todo o mundo. Mas se engana quem pensa que o trabalho de desenhar corredores ecológicos planetários foi feito por supercomputadores. A equipe do Laboratório de Geoprocessamento (LabGeo) da UFV foi formada por apenas cinco pesquisadores: Elpídio Fernandes, Pedro Christo, Felipe Simas, Martim Meier e Guilherme Oliveira. Sem verbas para o projeto e sem um computador que desse conta de tantos dados do modelo espacial, eles usaram talento, conhecimento e criatividade. Para rodar os programas, eles utilizados 24 computadores comuns, de salas de aula, funcionando durante madrugadas e finais de semana. “Nós fatiamos os continentes em muitas partes para depois superposicionar todos. Foi um trabalho de boa vontade e criatividade mesmo. Às vezes, uma área demorava 18 horas para ser processada”, disse Pedro Christo. “Nós colaboramos com a ideia mostrando que é factível. Usamos uma escala de 500 metros por pixel na geração dos mapas. Se tudo der certo, será necessário reduzir a área detalhando cada corredor, o que irá exigir um esforço muito maior de pesquisa”, explicou o professor Elpídio.

Além de conectar as unidades de conservação já existentes, os pesquisadores precisaram criar corredores que também desviassem de áreas de grande demanda. “Nos modelos, nós estabelecemos custos para movimentação da vida silvestre, prevendo caminhos mais curtos e de menor esforço e risco para os animais, mas que também evitassem áreas onde há plantios comerciais, mineração, cidades, estradas, rios e outros impedimentos geográficos ou econômicos”, contou o professor Elpídio.

Para Manno França, os resultados do trabalho feito pela UFV foram muito bem recebidos pela Fundação Leonardo DiCaprio e por cientistas e organizações envolvidas no projeto. As verbas arrecadas deverão agora viabilizar a contrução das centenas de milhares de corredores definidos pela equipe da UFV. Essa é uma questão estratégica que depende de políticas de meio ambiente. Os caminhos já foram construídos.

Fonte: Universidade Federal de Viçosa (UFV)

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