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Sensores e agroenergia: Plantando tecnologia e colhendo energia renovável


Publicado em: 09/12/2010 às 00:58hs

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A ideia de transformar plantas, resíduos agroindustriais e florestais em energia renovável para mover nossos carros e caminhões se encaixa muito bem com a realidade brasileira. Se somarmos o fato de que esse biocombustível também pode contribuir para a redução na emissão dos gases do efeito estufa, a ideia fica ainda mais atraente.

Atualmente, a produção de um desses biocombustíveis, o nosso etanol de cana-de-açúcar, produzido a partir da sacarose contida no caldo da cana, se destaca mundialmente como um exemplo de processo industrial de sucesso. Os números comprovam: comparado com o etanol produzido nos Estados Unidos a partir do milho, o balanço energético, isto é, a relação entre a energia contida em um determinado volume de etanol dividida pela energia fóssil necessária para a sua produção (na forma de fertilizantes, pesticidas, óleo diesel gasto na colheita mecanizada e transporte) é bem mais favorável no caso da cana, entre 8 e 10, enquanto que para o etanol de milho o balanço energético fica em torno de 1.

A transformação da sacarose em etanol ocorre pelo processo de fermentação alcóolica. Nesse processo, as leveduras obtém a energia necessária para seu crescimento se alimentando do açúcar do caldo da cana e, usando um arsenal de enzimas e reações químicas, liberam o etanol como um dos produtos finais. Apesar dos avanços tecnológicos da indústria sucroalcooleira nas últimas décadas, ainda existem diversas oportunidades para a otimização do processo e consequente aumento da produtividade nas usinas de produção de etanol.

O acompanhamento da eficiência desse processo exige a medição de variáveis ambientais (temperatura, pH, oxigênio), bem como variáveis relacionadas ao ciclo do carbono (biomassa, concentração do substrato, CO2). No entanto, devido a complexidade do meio, algumas dessas variáveis não são facilmente acessíveis e quantificáveis. E aí que surgem as oportunidades para o desenvolvimento de tecnologias que podem ser usadas para aumentar a eficiência desse processo. Assim, uma janela de oportunidades se abre para o desenvolvimento de sensores capazes de realizar o monitoramento em tempo real desses componentes.

O controle da etapa de fermentação, por exemplo, pode ser dificultado devido à incapacidade de se medirem algumas variáveis de forma rápida o suficiente para permitir a implementação de estratégias de controle. Variáveis tais como temperatura e pH, atualmente podem ser obtidas on-line utilizando sensores apropriados, já disponíveis no mercado. Porém, para obter informações sobre a concentração do substrato, produto e da biomassa, normalmente são retiradas amostras para análise off-line. Um composto específico (por exemplo, um micronutriente, metabólitos, antibióticos) pode ter uma influência importante no metabolismo celular das leveduras, mesmo em concentrações muito baixas.

Além do processo fermentativo, uma questão que deve ser destacada é a necessidade de métodos de determinação da qualidade da matéria-prima (teor de impurezas e sua composição) mais rápidos e on-line. A padronização de uma metodologia para controle da presença de matéria orgânica e mineral em suspensão nas matérias-primas empregadas na fermentação e nas correntes de processo é outro ponto que pode ser explorado.

Um exemplo de avanço na direção de aumentar a produtividade do etanol de forma sustentável é a produção do etanol celulósico, também chamado de etanol de segunda geração, pois, nesse caso, a matéria-prima são os subprodutos gerados a partir da produção de açúcar e etanol, ou seja, o bagaço e a palha da cana.

No entanto, parte do problema que impede que o etanol celulósico seja produzido comercialmente continua a ser técnico. Os açúcares contidos nessas matérias-primas vegetais estão na forma de celulose e hemicelulose, biopolímeros bastante complexos em sua estrutura. Quebrar esses biopolímeros em compostos intermediários que podem ser convertidos em etanol continua sendo um desafio.

Uma rota que aparenta ser muito promissora para produção de etanol celulósico é a hidrólise enzimática do bagaço (e/ou palha), com fermentação alcoólica simultânea ou sequencial. No entanto, a utilização da rota enzimática para a hidrólise da celulose, apesar de ser uma alternativa de menor impacto ambiental, ainda requer o desenvolvimento de tecnologias que possam reduzir os custos de produção das enzimas.

Uma possível alternativa nesse sentido é a produção de enzimas pelo processo de fermentação em estado sólido (FES). O uso da FES tem se mostrado particularmente vantajoso para o crescimento dos microrganismos produtores das enzimas necessárias para conversão da biomassa vegetal, proporcionando uma maior produtividade quando comparado ao processo convencional de fermentação líquida. Sob o ponto de vista ambiental, a vantagem da FES é a utilização de resíduos agroindustriais (o próprio bagaço de cana!) como substrato sólido, servindo estes como fontes de carbono e energia para os microrganismos.

Apesar de todas as vantagens da FES esse processo ainda esbarra em uma desvantagem limitante de sua aplicação de uma forma mais ampla e direta em processos industriais: novamente aqui nos deparamos com a dificuldade de monitoramento e controle das diversas variáveis envolvidas no processo. Na FES, o controle da temperatura, umidade, pH, atividade de água e troca de gases são fundamentais para o crescimento microbiano e a consequente produção de metabólitos. Fazer isso em um meio sólido e heterogêneo também é um desafio.

Portanto, existe uma demanda para o desenvolvimento de sensores que permitam a implantação de um sistema de controle e automatização no processo de FES. Essa é uma etapa fundamental para o desenvolvimento destes biorreatores em escala industrial, uma vez que a FES, apesar de gerar elevados rendimentos para a produção de enzimas, impõe uma série de limitações operacionais que dificultam o seu escalonamento.

Atualmente, pesquisadores da Embrapa Instrumentação estão focando esforços no desenvolvimento de tecnologias direcionadas à instrumentação de biorreatores de FES visando à produção de enzimas. Esses estudos têm permitido o levantamento de informações relacionadas ao crescimento microbiano, à engenharia e ao funcionamento da instrumentação do processo de fermentação, a fim de permitir a produção eficiente de enzimas em biorreatores de larga escala, possibilitando ampliar a área de atuação da Embrapa na cadeia de produção de fontes de energia renováveis. Enfim, sensores e agroenergia formam um dueto promissor!

Cristiane Sanchez Farinas - Pesquisadora Embrapa Instrumentação

jo@cnpdia.embrapa.br

Fonte: Embrapa Instrumentação

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