Publicado em: 14/09/2011 às 14:28hs
Em 2012 o mundo celebra o Ano Internacional das Cooperativas. Desde o advento da agricultura, o homem aprendeu trabalhar em grupo e a desenvolver vários arranjos organizacionais para facilitar a ação coletiva. Dentre esses arranjos, as cooperativas de produtores agropecuários desempenham um importante papel econômico e social no agronegócio.
Segundo dados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) de 2010, as 1.548 cooperativas do ramo agropecuário possuem 943 mil produtores associados e geram 146 mil empregos diretos. Essas cooperativas atuam no desenvolvimento e disseminação de novas tecnologias aos produtores (muitas vezes de graça); fornecem insumosInsumos: O mesmo que fatores de produção. Um insumo é um componente que é usado na atividade econômica para a produção de um bem ou serviço. Ex.: terra, trabalho, e capital. Inventário Brasileiro de Emissões de GEE aos produtores a preços competitivos (pois compram em volume); financiam a produção com linhas de crédito de custeio, investimento e comercialização; prestam serviços de gestão de riscos aos produtores; organizam a comercialização de commoditiesCommodities: Produtos padronizados e não-diferenciados, cujos preços são normalmente formados em bolsas de mercadorias do próprio país ou no exterior. Como os preços das commodities são majoritariamente fixados pelo mercado (fácil arbitragem nas bolsas de mercadorias), um produtor individual tem pouco ou nenhum controle sobre esta variável, o que torna a "liderança em custos" a sua principal estratégia competitiva. Os principais fatores de sucesso dos produtores de commodities são a exploração de economias de escala e escopo, os ganhos de produtividade, a racionalização dos processos produtivos, o acesso aos recursos naturais (jazidas de minerais, disponibilidade de terras férteis e água, etc.), as condições da infra-estrutura e logística, entre outros. Diversos tipos de produtos semi-processados e processados que têm origem na produção agropecuária ou nas atividades de mineração são também classificados como commodities. Exemplos de commodities brutas de origem agropecuária são: algodão, amendoim, cereais (arroz, milho, trigo, cevada), oleaginosas, bananas, borracha, cacau, café, madeira cortada, entre outros. Na área mineral, são commodities brutas tradicionais o carvão, o gás natural, o minério de ferro e o petróleo. As commodities processadas são aquelas que contam com algum grau de processamento industrial, destinadas ao consumidor final ou para uso em outros segmentos industriais. Exemplos de commodities processadas de origem agrícola e mineral são: arroz beneficiado, farelos em geral, óleo de soja, açúcar, fios de algodão, carnes em geral, madeira, celulose, suco de laranja concentrado e congelado, produtos do refino do petróleo, alumínio, etc. tanto no mercado doméstico quanto para exportação; e também responsabilizam-se pelo processamento de produtos agro-alimentares. Em outras palavras, as cooperativas têm papel fundamental na segurança alimentar, na produção e distribuição de alimentos a preços competitivos e na inserção internacional do agronegócio brasileiro. Uma vez que 67% de seus associados são produtores com áreas menores de 50 hectares, as cooperativas são extremamente importantes para o aumento da eficiência e para a inserção da agricultura familiar aos mercados.
Apesar de sua longa história, foi somente em 1844 que os pioneiros de Rochdale formalizaram um conjunto de princípios que norteou o desenvolvimento de cooperativas em vários setores da economia. Esses princípios foram adotados pela Aliança Cooperativa Internacional em 1937 e também serviram de modelo para a lei federal 5.764 de 1971, que serve de arcabouço jurídico para a organização e funcionamento de todas as cooperativas no Brasil.
Em seu mais recente livro, “The Origins of Political Order”, Francis Fukuyama argumenta que “the conservatism of societies with regard to rules is a source of political decay. Rules or institutions created in response too a set of environmental circumstances become dysfunctional under later conditions, but they cannot be changed due to people’s heavy emotional investments in them” (p. 45). Aplicando o argumento de Fukuyama para as cooperativas, a questão que se coloca é: os princípios de Rochdale ainda são relevantes no mundo atual?
Desde 1996 tive a oportunidade de interagir com lideranças de diversas cooperativas agropecuárias e de crédito no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália, Nova Zelândia, Índia, Coréia do Sul e China. Observei de perto a falência da Farmland em 2001, então a maior cooperativa agrícola dos EUA, além da conversão de diversas cooperativas em S/As como a Dairy Farmers na Austrália e a Diamond Foods nos EUA. Mas também pude acompanhar o desenvolvimento de várias cooperativas de sucesso, tais como a Fonterra, uma cooperativa de produtores de leite da Nova Zelândia que atualmente controla 40% do comércio mundial de produtos lácteos. Também trabalhei com as lideranças da CHS, a maior cooperativa dos EUA que também atua na Argentina, Brasil, Europa, Rússia e Ucrânia.
O que separa as cooperativas de sucesso das cooperativas que fracassaram? Apresento de forma sucinta algumas características comuns às cooperativas que continuam a crescer e a integrar seus produtores associados ao agronegócio mundial.
Escala e eficiência: Nos países onde as cooperativas possuem relevante participação de mercado, observa-se a consolidação do setor por meio de fusões e incorporações. Este processo criou cooperativas de grande escala que competem diretamente com as corporações multinacionais que atuam no agronegócio. Mudanças no ambiente competitivo forçam as cooperativas a buscar ganhos de eficiência operacional e economias de escala a fim de não perder relevância no mercado. Além da consolidação, as cooperativas de sucesso buscam ganhos de eficiência e competitividade por meio de alianças estratégicas com outras cooperativas ou mesmo com S/As.
Gestão profissional e governança: Uma característica comum às cooperativas de sucesso é a completa separação entre propriedade e gestão. Ou seja, os proprietários da cooperativa, seus produtores associados, não participam diretamente da gestão da organização cooperativa. Através de voto e mecanismos de representação, os associados elegem representantes que formam o conselho de administração. O conselho exerce as funções de delinear a missão da cooperativa e sua estratégia, além de recrutar e avaliar o desempenho do gerente geral. Em outras palavras, o conselho de administração participa das principais decisões estratégicas mas não administra o dia-a-dia da cooperativa. A vantagem deste arranjo é a profissionalização da gestão da cooperativa. A desvantagem é o problema do controle: uma vez que os proprietários não participam diretamente da gestão da cooperativa, o gerente geral pode tomar decisões que não necessariamente contribuem para o desempenho, mas que aumentam seus benefícios privados. As cooperativas de sucesso tentam solucionar o problema do controle adotando boas práticas de governança, educando seus diretores e tomando medidas para incentivar a participação dos associados na eleição de diretores e na Assembléia Geral.
Produtores associados comprometidos: A questão da fidelidade tornou-se um desafio para as cooperativas, em particular mitigar o problema do “carona”, ou seja, associados que têm acesso aos benefícios e serviços gerados pela cooperativa mas que não arcam proporcionalmente com os seus custos. As cooperativas buscam adotar políticas de fidelização do cooperado visando aumentar a utilização de seus serviços, a participação na governança e sua adequada capitalização. Considerando a relação comercial entre o associado e a cooperativa, o objetivo é controlar a ação oportunista de associados que somente usam a cooperativa quando esta oferece o melhor preço. No passado, os produtores participavam da cooperativa por falta de opção no mercado ou por razões ideológicas pelo fato da cooperativa ser uma organização democrática e sem fins lucrativos. Atualmente, os produtores encontram-se sob constante pressão para controlar custos e ser competitivo no mercado. Portanto, tendem a utilizar os serviços da empresa que lhes oferecer a melhor proposição de valor em termos de preço, qualidade de produtos e serviços, e retornos financeiros. Outra ferramenta comumente utilizada por cooperativas para aumentar a fidelidade do cooperado é a comunicação sob responsabilidade de uma estrutura especializada no relacionamento com os associados. Esforços de comunicação aumentam a fidelidade do associado, pois este tem a percepção que tem voz e pode exercer influência sobre as decisões da cooperativa. Algumas cooperativas também adota contratos como mecanismo de fidelização do associado. Outro mecanismo de fidelização adotado por cooperativas de sucesso é o estabelecimento de aporte mínimo de capital proporcional à movimentação de cada produtor.
Capitalização adequada: Em cooperativas tradicionais, o acesso a capital de risco é restrito. Os mecanismos tradicionais de financiamento são: taxa de associação do cooperado, retenção de sobras operacionais (lucro) e dívidas contraídas em banco. Em geral, as cooperativas de sucesso buscam novos mecanismos de capitalização para viabilizar investimentos necessários ao crescimento. Em um dos meus trabalhos de pesquisa, descrevi cinco novos modelos de capitalização em cooperativas. Estes modelos de capitalização alteram a estrutura de propriedade e abrem novas fontes de capital para a cooperativa. O resultado é que os produtores participam mais ativamente da cooperativa como fornecedores de capital, mas ao mesmo tempo demandam retorno adequado ao investimento. Desta forma, se sentem donos do negócio e participam mais ativamente da cooperativa.
Apesar da inegável importância das cooperativas no agronegócio brasileiro, demonstrada nas estatísticas apresentadas acima, um grande número de cooperativas em nosso país ainda segue um modelo de negócio pouco adaptado ao ambiente competitivo atual. Nos últimos anos, a estrutura e a organização do agronegócio alteraram-se radicalmente, o produtor modernizou-se, e a competição tornou-se cada vez mais acirrada (pense em BRF, LBR, JBS, Marfrig, Cosan, ADM, Cargill, Bunge, Dreyfus, etc.), mas algumas cooperativas ainda relutam em adaptar-se. Isso se deve ao apego ao status quo de algumas lideranças, à fraca participação dos associados (que em geral não se sentem donos de suas cooperativas) e restrições impostas pela lei 5.764. O resultado é que as cooperativas perdem relevância no mercado. Em alguns casos, são forçadas a vender ativos (plantas de processamento e marcas) para manterem-se vivas. Em casos extremos, fecham as portas e deixam de operar. Ou seja, as cooperativas deixam de atingir seu potencial e ficam restritas a um papel econômico e social bem menor do que poderiam ter. Adaptar a estrutura e a estratégia de nossas cooperativas é condição necessária para que elas possam criar mais valor ao produtor, ao agro e à sociedade e – por que não? – reconquistar um papel de destaque no agronegócio.
Fabio Chaddad, Professor da University of Missouri e do Insper.
Fontes:
Lei Federal 5.764 de 1971.
Princípios de Rochdale – adotados pela Aliança Cooperativa Internacional em 1937.
FUKUYAMA, F. (2011). The origins of political order: From prehuman times to the French Revolution. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux.
Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
CHADDAD, F. Currículo Lattes.
Fonte: Rede Agro
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